quarta-feira, 16 de setembro de 2009

A Essência da Gestalt

A Gestalt, para além de uma simples psicoterapia, apresenta-se como uma verdadeira filosofia existencial, uma “arte de viver”, uma forma particular de conceber as relações do ser vivo com o mundo.

A genialidade de Perls e de seus colaboradores (Laura Perls e Paul Goodman, principalmente) foi elaborar uma síntese coerente de várias correntes filosóficas, metodológicas e terapêuticas européias, americanas e orientais, constituindo assim uma nova “Gestalt”, na qual “o todo é diferente da soma de suas partes”.

A Gestalt se situa na intersecção entre a psicanálise, as terapias psicocorporais de inspiração reichiana, o psicodrama, o sonho-desperto, os grupos de encontro, as abordagens fenomenológica e existencial, as filosofias orientais.

Ela dá ênfase à tomada de consciência da experiência atual (“o aqui e agora”, que inclui o ressurgimento eventual de uma vivência antiga) e reabilita a percepção emocional e corporal, ainda muito censurada na cultura ocidental, que coíbe severamente a expressão pública da cólera, da tristeza, da angústia ... mas também da ternura, do amor ou da alegria.

A Gestalt desenvolve uma perspectiva unificadora do ser humano, integrando ao mesmo tempo as dimensões sensoriais, afetivas, intelectuais, sociais e espirituais.

Ela favorece um contato autêntico com os outros e consigo mesmo, um ajustamento criador do organismo ao meio, assim como uma consciência dos mecanismos interiores que nos levam, bem freqüentemente, a condutas repetitivas. Ela coloca em destaque nossos processos de bloqueio ou de interrupção no ciclo normal de satisfação de nossas necessidades e desmascara nossas evitações, medos e inibições, assim como nossas ilusões.

A Gestalt não objetiva simplesmente explicar as origens de nossas dificuldades, mas experimentar pistas para soluções novas: ela prefere o sentir como, mobilizador de mudança, à procura lancinante do saber por quê.

Em Gestalt, cada um é responsável por suas escolhas e suas evitações. Cada um trabalha no ritmo ou no nível que lhe convém, a partir daquilo que emerge para si no momento, quer se trate de uma percepção, emoção ou preocupação atual, da revivência de uma situação passada mal resolvida ou “inacabada”, ou ainda de perspectivas incertas e de futuro.

O trabalho é geralmente individualizado, mesmo quando em grupo, este então é utilizado como suporte ou como “eco” amplificador. A Gestalt integra e combina, de forma original, um conjunto de técnicas variadas, verbais e não-verbais, tais como: despertar sensorial, trabalho com a energia, a respiração, o corpo ou a voz, expressão da emoção, trabalho a partir dos sonhos, criatividade (desenho, modelagem, música, dança, etc).

Para se resumir em uma frase o que parece caracterizar a abordagem da Gestalt: não se trata de compreender, analisar ou interpretar os acontecimentos, comportamentos ou sentimentos, mas, sobretudo, de favorecer a tomada de consciência global da forma como funcionamos e de nossos processos:

- de ajustamentos criador do meio,
- de integração da experiência presente,
de nossas evitações e de nossos mecanismos de defesa ou resistências.

Parafraseando Sartre, “psicologizando” uma de suas declarações:

o importante não é o que fizeram de mim
mas o que eu faço do que fizeram de mim.


Não se trata, no entanto, de negar ingenuamente a herança biológica, nem as experiências da primeira infância, tampouco de minimizar a pressão cultural do meio social, mas sobretudo de buscar a coerência interna de meu estar-no-mundo global, para descobrir e elaborar minha “torre” de liberdade, meu próprio estilo de vida em sua especificidade e originalidade.

A Gestalt me incita, sobretudo, num primeiro momento, a me conhecer melhor e a me aceitar tal como sou e não a querer mudar para me adaptar a um modelo de referência explicativo ou idealizado, seja ele individual ou social, interno ou externo, filosófico, moral, político ou religioso.

“Ser o que sou, antes de ser de outra maneira:
é a teoria paradoxal da mudança (Beisser, 1970)


A Gestalt me encoraja, de certa maneira, a navegar no sentido de minha própria corrente e não a me exaurir lutando contra ela: observar as profundas correntes internas de minha personalidade, explorar os ventos variáveis de meu meio, e ainda mantendo a responsabilidade vigilante pelas velas e pelo leme, para realizar aquilo que sou e traçar meu rastro efêmero na superfície do oceano, conforme o caminha que escolhi para mim.

Na prática, estes princípios desembocam em um método específico de trabalho, de inspiração fenomenológica, apoiado num certo número de técnicas, às vezes chamadas de “jogos”, “exercícios” ou “experimentos”.

Fonte: Gestalt – Uma terapia de contato – Serge e Anne Ginger – Summus Editorial
Imagem: Saxofonista ou senhora? de John Stuart Mill

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