segunda-feira, 31 de maio de 2010

Aprendendo a Aprender

A escola do futuro será fonte de alimento para corpo e mente, uma comunidade meritocrática mas libertária, em que alunos e mestres se eduquem mutuamente.

Por Sidarta Ribeiro

Revista Mente & Cérebro n° 205, de fevereiro/2010, pág. 26



De onde vêm as desigualdades sociais? Uns enfatizam as diferenças individuais, pois com talento e esforço pessoas de origem humilde podem enriquecer, enquanto filhos de milionários fracassarão se forem inaptos.

Outros crêem que o destino de cada um reflete as chances tidas ou perdidas para desenvolver talentos. O bebê ao nascer sabe chorar, respirar, mamar, excretar, dormir e aprender.

E é justamente aí que se replicam as diferenças sociais, pois as oportunidades de aprender são desiguais entre as classes. Crianças pobres raramente moram em ambientes seguros e instigantes. Muitas escolas são apenas o refeitório da prole. O pacto proposto em novembro de 2009 pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) é que educação seja estratégia política de Estado e não de governos circunstanciais. A revolução que o novo milênio reclama passa pela democratização das oportunidades de aprendizado.

A escola do futuro será fonte de alimento para corpo e mente, uma comunidade meritocrática mas libertária, em que alunos e mestres se eduquem mutuamente e valorizem a criatividade tanto quanto o trabalho árduo. Motivado a explorar um cardápio variado de ciências, humanidades, artes e esportes, todo aluno poderá descortinar seu universo particular de possibilidades, escolhendo o caminho que tiver melhor sabor.

Embora tal futuro esteja longe, progredimos. O bolsa-família inibe com eficácia o trabalho infantil que causa evasão escolar. Uma idéia interessante é a remuneração extra em função do desempenho acadêmico, favorecendo que filhos e pais se interessem pela qualidade do aprendizado. Embora isso soe menor que as recompensas intelectuais e estéticas do conhecimento, muitas famílias simplesmente não vêem na escola o melhor caminho para realizar sonhos.

Para que a instituição cumpra esse papel, é necessário dar aos professores bons salários e ótima formação continuada. Todo jovem precisa ter acesso adequado ao computador e à internet, num ambiente fértil que incite a descoberta, a transformação e a socialização. É preciso nutrir a autoestima, a curiosidade, o rigor e a ética, bem como certa irreverência diante do que se presume sabido. Empolgante aplicação desses princípios ocorre nas unidades da Escola Alfredo Monteverde, no Rio Grande do Norte, que recebem gratuitamente mil alunos da rede pública em turno complementar para uma imersão crítica na ciência.

Para que a revolução se complete precisamos ainda formar pesquisadores capazes de compreender melhor as bases biológicas, psicológicas e pedagógicas do aprendizado humano. Com esse objetivo, realiza-se em março o curso Primeira Escola Latino-americana de Ciências Educacionais, Cognitivas e Neurais, que reunirá, no Chile, 37 especialistas mundiais e 50 alunos de pós-graduação interessados em aperfeiçoar e criar métodos de ensino com base em evidências empíricas, isto é, testados de forma quantitativa em salas de aula.

Como membro do comitê organizador desse grupo, espero aprender mais sobre o aprender.

SIDARTA RIBEIRO é neurobiólogo com Ph.D. pela Universidade Rochefeller e pós-doutorado pela Universidade Duke. Atualmente é chefe de laboratório do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS) e professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), onde investiga as bases neurais do aprendizado, comunicação, sono e sonhos.

terça-feira, 18 de maio de 2010

O Bicho no Lugar do Terapeuta

por Sabine Althussen,
mestre em psicologia clínica pela USP.


Fonte: Revista Mente & Cérebro n° 208, de maio/2010.








Ao longo dos séculos, os animais sempre estiveram próximos do homem, participando de atividades de caça, tração, locomoção, pastoreio, guarda e companhia. Esses vínculos com bichos de estimação transformaram tanto o estilo de vida das pessoas quanto os hábitos dos bichos (embora na maioria das vezes eles sejam vítimas do ser humano). Nas últimas décadas, porém, surgiu um dado novo: o crescente interesse científico pelo estudo do potencial terapêutico dessa interação. Várias possibilidades de intervenção com a participação de animais têm aberto perspectivas de uso de recursos terapêuticos auxiliares para os profissionais da saúde e da educação. Atualmente, muitos reconhecem que em geral os cães reúnem características que facilitam a aproximação com pacientes, como disponibilidade para oferecer carinho, o que desperta o afeto nos seres humanos e instiga o desejo de cuidar do outro – ainda que esse outro seja um cão.

O primeiro relato da participação de animais em tratamento de saúde na sociedade ocidental contemporânea é do final do século XVIII, na Inglaterra. O Retiro de York, instituição psiquiátrica que empregava métodos terapêuticos considerados mais humanos para a época, mantinha coelhos, gaivotas, falcões e aves domésticas nos pátios e jardins frequentados pelos pacientes. Essas criaturas eram, geralmente, muito familiares, e acredita-se que, muito mais que um prazer inocente, despertavam sentimentos de sociabilidade e benevolência nos internos.



No século XIX houve um grande crescimento da participação de animais nas instituições mentais de vários países. Mais tarde, quando os primeiros textos científicos começaram a ser publicados, tal prática já não era tão rara. Em 1944, James Bossard escreveu um artigo sobre o papel dos animais domésticos na família, em especial para crianças pequenas. Mas foi na década de 60 que o psicólogo americano Boris M.Levinson iniciou uma série de estudos de situações clínicas nas quais a presença do animal era fundamental no processo terapêutico. Um cachorro, por exemplo, poderia satisfazer a necessidade humana de lealdade, confiança e obediência. A relação da criança com o animal permite nuances num nível intermediário, que diferem das interações estabelecidas com pessoas e objetos inanimados. Afinal, ainda nos primeiros anos é possível perceber que brinquedos não podem dividir sentimentos, pois não são viso, não crescem nem respondem. Segundo Levinson, diferentemente da relação que estabelece com a boneca, a criança pode conceber o animal como parte de si mesma, de sua família, capaz de passar pelas mesmas experiências que vive. Esse relacionamento oferece ao pequenos a possibilidade de se expressar com mais liberdade.

Posteriormente aos estudos de Levinson, merecem destaque as pesquisas dos psiquiatras Samuel e Elizabeth Corson. Na década de 80, eles usaram cães na psicoterapia em instituições psiquiátricas. A experiência foi realizada com 50 pacientes com alto grau de introversão que não respondiam ao tratamento convencional e relutavam em estabelecer contatos. Apenas três deles não apresentaram melhoras em seu estado clínico . Os demais desenvolveram gradualmente, desejo de independência, sentimento de autoestima e senso de responsabilidade.