A escola do futuro será fonte de alimento para corpo e mente, uma comunidade meritocrática mas libertária, em que alunos e mestres se eduquem mutuamente.
Por Sidarta Ribeiro
Revista Mente & Cérebro n° 205, de fevereiro/2010, pág. 26
De onde vêm as desigualdades sociais? Uns enfatizam as diferenças individuais, pois com talento e esforço pessoas de origem humilde podem enriquecer, enquanto filhos de milionários fracassarão se forem inaptos.
Outros crêem que o destino de cada um reflete as chances tidas ou perdidas para desenvolver talentos. O bebê ao nascer sabe chorar, respirar, mamar, excretar, dormir e aprender.
E é justamente aí que se replicam as diferenças sociais, pois as oportunidades de aprender são desiguais entre as classes. Crianças pobres raramente moram em ambientes seguros e instigantes. Muitas escolas são apenas o refeitório da prole. O pacto proposto em novembro de 2009 pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) é que educação seja estratégia política de Estado e não de governos circunstanciais. A revolução que o novo milênio reclama passa pela democratização das oportunidades de aprendizado.
A escola do futuro será fonte de alimento para corpo e mente, uma comunidade meritocrática mas libertária, em que alunos e mestres se eduquem mutuamente e valorizem a criatividade tanto quanto o trabalho árduo. Motivado a explorar um cardápio variado de ciências, humanidades, artes e esportes, todo aluno poderá descortinar seu universo particular de possibilidades, escolhendo o caminho que tiver melhor sabor.
Embora tal futuro esteja longe, progredimos. O bolsa-família inibe com eficácia o trabalho infantil que causa evasão escolar. Uma idéia interessante é a remuneração extra em função do desempenho acadêmico, favorecendo que filhos e pais se interessem pela qualidade do aprendizado. Embora isso soe menor que as recompensas intelectuais e estéticas do conhecimento, muitas famílias simplesmente não vêem na escola o melhor caminho para realizar sonhos.
Para que a instituição cumpra esse papel, é necessário dar aos professores bons salários e ótima formação continuada. Todo jovem precisa ter acesso adequado ao computador e à internet, num ambiente fértil que incite a descoberta, a transformação e a socialização. É preciso nutrir a autoestima, a curiosidade, o rigor e a ética, bem como certa irreverência diante do que se presume sabido. Empolgante aplicação desses princípios ocorre nas unidades da Escola Alfredo Monteverde, no Rio Grande do Norte, que recebem gratuitamente mil alunos da rede pública em turno complementar para uma imersão crítica na ciência.
Para que a revolução se complete precisamos ainda formar pesquisadores capazes de compreender melhor as bases biológicas, psicológicas e pedagógicas do aprendizado humano. Com esse objetivo, realiza-se em março o curso Primeira Escola Latino-americana de Ciências Educacionais, Cognitivas e Neurais, que reunirá, no Chile, 37 especialistas mundiais e 50 alunos de pós-graduação interessados em aperfeiçoar e criar métodos de ensino com base em evidências empíricas, isto é, testados de forma quantitativa em salas de aula.
Como membro do comitê organizador desse grupo, espero aprender mais sobre o aprender.
SIDARTA RIBEIRO é neurobiólogo com Ph.D. pela Universidade Rochefeller e pós-doutorado pela Universidade Duke. Atualmente é chefe de laboratório do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS) e professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), onde investiga as bases neurais do aprendizado, comunicação, sono e sonhos.
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