terça-feira, 18 de maio de 2010

O Bicho no Lugar do Terapeuta

por Sabine Althussen,
mestre em psicologia clínica pela USP.


Fonte: Revista Mente & Cérebro n° 208, de maio/2010.








Ao longo dos séculos, os animais sempre estiveram próximos do homem, participando de atividades de caça, tração, locomoção, pastoreio, guarda e companhia. Esses vínculos com bichos de estimação transformaram tanto o estilo de vida das pessoas quanto os hábitos dos bichos (embora na maioria das vezes eles sejam vítimas do ser humano). Nas últimas décadas, porém, surgiu um dado novo: o crescente interesse científico pelo estudo do potencial terapêutico dessa interação. Várias possibilidades de intervenção com a participação de animais têm aberto perspectivas de uso de recursos terapêuticos auxiliares para os profissionais da saúde e da educação. Atualmente, muitos reconhecem que em geral os cães reúnem características que facilitam a aproximação com pacientes, como disponibilidade para oferecer carinho, o que desperta o afeto nos seres humanos e instiga o desejo de cuidar do outro – ainda que esse outro seja um cão.

O primeiro relato da participação de animais em tratamento de saúde na sociedade ocidental contemporânea é do final do século XVIII, na Inglaterra. O Retiro de York, instituição psiquiátrica que empregava métodos terapêuticos considerados mais humanos para a época, mantinha coelhos, gaivotas, falcões e aves domésticas nos pátios e jardins frequentados pelos pacientes. Essas criaturas eram, geralmente, muito familiares, e acredita-se que, muito mais que um prazer inocente, despertavam sentimentos de sociabilidade e benevolência nos internos.



No século XIX houve um grande crescimento da participação de animais nas instituições mentais de vários países. Mais tarde, quando os primeiros textos científicos começaram a ser publicados, tal prática já não era tão rara. Em 1944, James Bossard escreveu um artigo sobre o papel dos animais domésticos na família, em especial para crianças pequenas. Mas foi na década de 60 que o psicólogo americano Boris M.Levinson iniciou uma série de estudos de situações clínicas nas quais a presença do animal era fundamental no processo terapêutico. Um cachorro, por exemplo, poderia satisfazer a necessidade humana de lealdade, confiança e obediência. A relação da criança com o animal permite nuances num nível intermediário, que diferem das interações estabelecidas com pessoas e objetos inanimados. Afinal, ainda nos primeiros anos é possível perceber que brinquedos não podem dividir sentimentos, pois não são viso, não crescem nem respondem. Segundo Levinson, diferentemente da relação que estabelece com a boneca, a criança pode conceber o animal como parte de si mesma, de sua família, capaz de passar pelas mesmas experiências que vive. Esse relacionamento oferece ao pequenos a possibilidade de se expressar com mais liberdade.

Posteriormente aos estudos de Levinson, merecem destaque as pesquisas dos psiquiatras Samuel e Elizabeth Corson. Na década de 80, eles usaram cães na psicoterapia em instituições psiquiátricas. A experiência foi realizada com 50 pacientes com alto grau de introversão que não respondiam ao tratamento convencional e relutavam em estabelecer contatos. Apenas três deles não apresentaram melhoras em seu estado clínico . Os demais desenvolveram gradualmente, desejo de independência, sentimento de autoestima e senso de responsabilidade.

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