Folha de São Paulo - GILBERTO DIMENSTEIN
É claro que as drogas merecem atenção, mas as pesquisas mostram que o grande problema é o álcoolUm bar em São Paulo, próximo à PUC, decidiu cobrar bebida por hora: a pessoa paga uma quantia fixa e bebe o que quiser durante o tempo estipulado. Esse tipo de promoção ilustra uma informação revelada, na semana passada, por uma pesquisa da USP: 1 em cada 5 universitários brasileiros corre o risco de desenvolver dependência do álcool.
Esse dado surpreende a opinião pública, para quem, segundo recentes pesquisas, as drogas são objeto de crescente preocupação, mas o álcool não. Essas pesquisas refletem-se nas posições assumidas por Dilma Rousseff e José Serra, os principais candidatos à Presidência.
Dilma apresentou seu projeto contra o crack. José Serra arrumou uma briga com a Bolívia, acusando (e com certa razão, diga-se) suas autoridades policiais de conivência com o tráfico. Por tabela, o ataque bate em Lula, aliado de Evo Morales. É eleitoralmente compreensível, portanto, que o ex-governador, embora metido nas universidades nos anos 60 e 70, tenha dito que nunca sequer experimentou maconha.
É claro que as drogas merecem atenção, mas as pesquisas mostram que o grande problema é a bebida.Neste ano, depois de descobrir que 30% dos estudantes das escolas particulares da cidade de São Paulo se tinham embebedado no mês anterior à pesquisa, a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) decidiu estender o levantamento para todo o Brasil, incluindo também a rede pública. "Não tínhamos a menor ideia de que faríamos essa descoberta", conta a coordenadora da pesquisa, Ana Regina Noto, do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas).
Os dados da Unesp e da USP ajudam a explicar a polêmica provocada na semana passada pela notícia de que a festa de formatura organizada por estudantes de uma tradicional escola paulistana ofereceria "open bar".Segundo o trabalho da Unifesp, são os estudantes das escolas mais caras que revelam maior propensão a exagerar na bebida.
Temos, no Brasil, cerca de 50 milhões de jovens. Se 30% deles (15 milhões de pessoas) ficam "altos" pelo menos uma vez por mês, é fácil imaginar a dimensão dos riscos de acidentes, de prática de sexo inseguro ou da própria dependência.
Em São Paulo, a cada 39 minutos, o trânsito despeja uma pessoa no pronto-socorro do Hospital das Clínicas. Todos sabemos que boa parte dos acidentes está associada ao álcool. Mais graves ainda são os registros de atos de violência ligados à bebida.Por falta de informação, a sociedade aceita muito mais um adolescente tomando um porre por mês do que fumando um "baseado". Toleram-se até mesmo as mensagens que glamorizam o álcool, a exemplo do que se fazia no passado, quando fumar era charmoso e sexy.
Cientificamente está provado que a maconha provoca muito menos danos do que o álcool, a principal causa de internação nos hospitais psiquiátricos. Nem a cocaína e o crack causam tantos danos. O crack, por exemplo, quase não aparece na pesquisa da Unifesp.
Pergunto: quantos bares são punidos por vender bebida a menores de 18 anos?
Não há solução simples. Além de fazer cumprir a lei que proíbe a venda de álcool a menores de 18 anos, é preciso alertar sobre os perigos do vício nas famílias, nas escolas e nos meios de comunicação.
O levantamento da Unifesp dá uma boa notícia: entre jovens, cai o consumo de tabaco. Isso é resultado de décadas de campanhas que associam o fumo não ao charme e à sensualidade, mas ao câncer e até à impotência sexual.Cigarro não é igual a álcool. Beber moderadamente e com responsabilidade dá prazer e não prejudica a saúde. O desafio para os governos e para a sociedade, além da indústria da bebida e dos publicitários, é encontrar um meio de gerar essa atitude responsável.
Debater o tema nas eleições sem preconceitos e moralismos já seria um bom começo.PS- A Unifesp vai ampliar a pesquisa para descobrir os fatores que previnem o abuso do álcool e das drogas. Já se sabe, porém, que é preciso ajudar os jovens a ter autoestima e projetos de vida. Respeitar-se, apostar no futuro e ter diálogo familiar são a chave para minimizar o problema. Esse estudo, especialmente as recomendações, é leitura obrigatória (www.dimenstein.com.br). gdimen@uol.com.br
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