Fora da escola achou a literatura
Até os 8 anos de idade, Marcos Lopes cresceu sob os cuidados do irmão dez anos mais velho, que cuidava dele enquanto os pais trabalhavam para sustentar a casa em que morava, no Parque Santo Antonio. Bairro pobre da zona sul de São Paulo.
Na 2ª série, com problemas na escola, a professora chamou a mãe de Marcos para dizer que o filho era “burro” e “não tinha jeito”, pecha que o marcou “como uma tatuagem”.
Na sala de aula, ouviu ainda a professora cantar para ele uma música que não sairia das lembranças. “Não sabe, não sabe, vai ter de aprender, orelha de burro foi feita para você”.
Marcos assumiu o papel de aluno relapso e voltou a repetir na 5ª série. Para chamar a atenção e mostrar que merecia respeito, pegou um revólver de brinquedo e assaltou a cantina da escola em que estudava.
Acabou expulso. Com tempo de sobra, fora da escola e nas ruas da zona sul, aos 14 anos passou a se envolver com outros moleques que não estudavam. Roubar carros e pedestres, fumar maconha, cheirar cocaína e curtir as noitadas com o dinheiro dos roubos passou a ser rotina. Nos anos 2000, prestes a completar 18 anos, entrou para o tráfico.
A situação começou a apertar quando alguns amigos da biqueira em que trabalhavam passaram a ser mortos. Em questão de semanas, foram quatro. E ele percebeu que era a bola da vez. Foi quando procurou a educadora Dagmar Garroux, fundadora da Casa do Zezinho, no Capão Redondo, que ensina a jovens da região uma série de atividades, incluindo inglês, espanhol, música e artes.
Conversando sobre as mortes que o rondavam e sobre a vida que havia abraçado, Tia Dag sugeriu que ele desse um tempo e emprestou o livro Capão Pecado, do escritor Ferrez, que relata o cotidiano do bairro. A empatia com o livro o levou a novas obras e o estimulou a tentar contar a vida que havia levado e testemunhado. “Foi o primeiro livro que li na vida”, conta.
Incentivado por outros zezinhos, que ingressavam no vestibular ao deixar a Casa, passou a levar apostilas para estudar nos intervalos dos empregos que conseguia. Fez supletivo e aos 21 anos ingressou no curso de Português e Inglês da Universidade de São Paulo (USP). No ano seguinte, voltou à escola em que estudava – e de onde foi expulso – para lecionar português.
Também escreveu um livro, Zona de Guerra, que será relançado dia 20 de setembro, com tarde de autógrafos na Casa do Zezinho. Trabalhando em uma entidade não governamental e fazendo pós-graduação em Educação Social, Marcos passou a intermediar conflitos na região. “Eu roubava para ter status. Hoje busco o respeito daqueles que não se sentem respeitados, o que busco conseguir compreendendo e ouvindo o que eles passam. Minha trajetória serve como um fio de esperança e mostra que é possível mudar”.
Bruno Paes Manso – Estadão de 30.08.2009 – C3
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