sexta-feira, 1 de abril de 2011

República de dependentes

Novo modelo de reabilitação para viciados em drogas e álcool usa rotina em comunidade como ponte entre a desintoxicação e a vida livre da dependência
Folha de São Paulo - CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Ex-dependentes químicos dividem casa na Vila Clementino, zona sul de São Paulo


São Paulo está adotando um modelo inédito de reabilitação da dependência química: a criação de repúblicas para usuários de drogas que passaram por processos de desintoxicação. Uma casa-piloto, com oito jovens, funciona há nove meses na Vila Clementino, zona sul.
Outras cinco repúblicas semelhantes, voltadas para o tratamento de moradores de rua, devem ser abertas a partir de março pela prefeitura.
Os projetos são coordenados pela Uniad (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Na casa, a rotina é parecida com a de uma república de estudantes. Os jovens, com idade média de 25 anos, fazem a comida, lavam a roupa, arrumam a casa. Cada um tem uma cópia da chave e entra e sai a hora que desejar.
A abstinência tem que ser total (nem cerveja pode). Não há ninguém fiscalizando, mas testes antidrogas e bafômetros são usados para checar se eles estão "limpos".
Nos últimos meses, três jovens tiveram que sair da casa porque sofreram recaídas, segundo o orientador da república, Marcos Vieira, 41.
Espécie de conselheiro dos jovens, Vieira já foi usuário de drogas, abandonou o vício e hoje trabalha como terapeuta especializado em dependência química. É ele que aplica os testes na casa.
O jovens são obrigados a manter o tratamento para a dependência (com remédios, psicoterapia e grupos de ajuda mútua) fora da casa e a retomar estudos ou trabalho.
Sete dos oito moradores estudam ou trabalham. O tempo de abstinência vai de três meses a um ano.
Como contrapartida, o projeto oferece o imóvel e o pagamento de despesas da casa, por meio de patrocínio.
Os jovens bancam comida e despesas pessoais.
Inspirado nas "sober houses" americanas (casas da sobriedade, em tradução literal), o projeto busca resolver um dilema no tratamento da dependência: o que fazer após a desintoxicação?

RECUPERAÇÃO
Há uma certa unanimidade entre os médicos de que só a internação não basta.
"Ela é boa para estabilizar a pessoa. O desafio é como ajudá-la a retomar os laços familiares, o estudo, o trabalho. As casas de transição podem ser uma boa opção", diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador da Uniad e do projeto das repúblicas.
Na literatura médica, estudos mostram que a permanência nas "sober houses"- em conjunto com outras terapias- aumenta as chances de recuperação.
As pesquisas também mostram que elas são viáveis financeiramente se forem autossustentáveis-os pacientes tocam os serviços da casa e pagam suas despesas.
Para o psicólogo Jason Leonard, que estuda há 15 anos esses modelos e é autor do livro "Vidas Resgatadas", ter rotina e estrutura longe do ambiente que propicia o uso de drogas é fundamental para a recuperação.
"Com a abstinência, o apoio e a comunhão entre pessoas que estão no mesmo barco, é provável que você tenha um resultado muito bom", disse ele à
Folha.
A psicóloga Ilana Pinsky, vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas, afirma que a iniciativa torna os jovens adictos mais independentes. "Ao viver em comunidade, eles precisam ter responsabilidade e, ao fazer as coisas por conta própria, descobrem que são capazes."

Fonte: FOLHA.com
Veja os depoimentos dos ex-dependentes

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