por Laura Ming
Qual a diferença na manifestação da dor decorrente de um quadro depressivo e dos outros tipos de dor?
Nenhuma. Ela pode se manifestar de várias formas – como a provocada por uma gastrite, cefaléia ou lesão muscular. A sensação é a mesma, mas, quando procuramos o que há de errado no organismo do paciente, não encontramos nada. Apesar de se manifestar em determinada região do corpo (ou nele todo, como acontece em boa parte dos casos) a dor física da depressão está no cérebro do paciente, onde é processada equivocadamente. Dadas as suas características, muitas vezes, o paciente não acredita quando o médico diz que aquele sofrimento físico pode ser sintoma de depressão. A dor causada pela depressão é muito semelhante à chamada dor-fantasma, comum entre os amputados. Uma pessoa que perdeu a perna, por exemplo, pode sentir o pé doer. Isso acontece porque os circuitos da medula espinhal, responsáveis pela transmissão dos estímulos entre o pé e o cérebro, ainda estão lá, funcionando. A percepção da dor é no pé – e não no cérebro.
Analgésicos, portanto, não resolvem o problema.
Não. Esses remédios funcionam bem para uma dor de dente, por exemplo. Normalmente, o cérebro envia estímulos nervosos pela medula espinhal para inibir as sensações consideradas irrelevantes. Não percebemos, por exemplo, quando piscamos ou estamos digerindo o almoço. Existe a sensação, mas o cérebro a interpreta como inútil, não a processa e, portanto, não a sentimos. Quer ver outro exemplo desse mecanismo cerebral? Se eu levar um tiro e precisar fugir, só vou sentir dor quando estiver a salvo. O organismo me protege contra essa dor em defesa da minha sobrevivência. Essa inibição é resultado de um processo químico que se intensifica em situações de emergência. Na depressão, esse processo fica enfraquecido. Ou seja, o paciente sente dor sem que haja estímulo doloroso.
Do ponto de vista evolucionista, até determinado grau, a dor é útil por funcionar como um alerta para o organismo de que algo não vai bem. A dor não teria também essa função na depressão?
Não. O que acontece é que, muitas vezes, por causa da dor, o paciente procura ajuda médica. Quando o especialista tem em mente que esse pode ser um sintoma de depressão, ele pode faze o diagnóstico correto, depois de descartar outras causas possíveis. Em geral, o sofrimento emocional é carregado de estigma. As pessoas têm vergonha de admitir suas angústias e aflições. Parece mais digno dizer que está com dor no pescoço do que dizer que a vida perdeu o sentido. O problema é que a maioria dos médicos não foi treinada para enxergar além da queixa física. Mesmo os psiquiatras têm dificuldade de perceber o que está acontecendo. Em geral, os psiquiatras tem medo da dor física porque não sabem o que fazer com ela. Eles precisam entender que isso faz parte da depressão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário