Matéria dividida em 9 postagens – nos dias 05, 07, 10, 12, 14, 17, 19, 21 e 24 de Outubro
Por Pierangelo Garzia - Revista Mente & Cérebro n° 220, maio/2011, págs. 28 a 35
A medicina reconhece casos de pacientes terminais que, contrariando prognósticos, sobreviveram por muitos anos – um mistério que a ciência ainda não consegue explicar
O milagre, por sua própria natureza, seria algo único e imprevisível. Porém, segundo o psicanalista italiano Emilio Servadio, que há anos estuda o tema, essa definição é duvidosa, pois está vinculada a um contexto histórico particular. O senso comum considera “milagre” qualquer fato que cause surpresa por ultrapassar o limite da previsão esperada dos acontecimentos ou por aparentar ir além das possibilidades da ação humana. Servadio contradiz esse conceito: para ele, a surpresa pode ser provocada por um truque ilusionista, como o aparecimento totalmente incompreensível de objetos nas mãos do mágico. Ele lembra que há pouco mai s de um século, voar com veículos mais pesados que o ar teria sido considerado um empreendimento impossível, talvez milagroso, assim como hoje pode parecer, por exemplo, a cura espontânea de uma doença grave. Logo, o milagre é um fenômeno que não pode ser explicado segundo as leis naturais conhecidas, de forma que ele só pode ser constatado em outro momento histórico, após complexa investigação. Não podemos deixar de pensar, portanto, que no caso de uma cura aparentemente milagrosa tenham interferido fatores próprios do organismo que apenas uma profunda investigação clínica – talvez, mas não necessariamente – esclareceria. Afinal, o avanço da medicina se baseia atualmente no estudo das doenças, mas também no processo de melhora, e ainda Ana manutenção do estado de saúde por meio da prevenção.
Embora as crenças (ou descrenças) sejam aspectos importantes da vida de uma pessoa – e em grande parte determinem sua relação consigo e com os outros, influindo em hábitos que afetam sua saúde e até no grau de adesão ao tratamento -, anamneses (relatórios detalhados de sintomas de histórico do paciente) e fichas clínicas invariavelmente trazem informações limitadas sobre essa área. Raros são os serviços de saúde que levam em conta a relação do doente com sua fé. De acordo com alguns cientistas, esses dados deveriam ser observados. E a intervenção milagrosa, considerada como algo pouco provável – mas plausível. Para o físico nuclear Furio Gramatica, responsável pelo pólo tecnológico do hospital católico Instituto de Internação e Tratamento de Caráter Científico Santa Maria Nascente (RCCS, do italiano Instituto Di Ricovero e Cura a Carattere para a Pesquisa Nuclear, de Genebra, o Cern (a sigla vem do antigo nome da organização Conseil Europeenne pour La Recherceh Nucléaire), ele cita um de seus livros preferidos, Planolândia, um romance de muitas dimensões, escrito em 1822 e pulicado no Brasil pela Conrad, em 2002. O autor, o reverendo Edwin Abbott, apresenta em sua obra um mundo plano, onde os habitantes são figuras geométricas para as quais a realidade tem duas dimensões. Um dia, um quadrado inteligente e sensível sente uma batida de alguma coisa que não vê, um fenômeno aparentemente inexplicável para a concepção de realidade daquele mundo; trata-se de uma bola. Dessa forma, o protagonista descobre que sua concepção de realidade é míope. Ele passa então a difundir esta notícia excepcional entre seus semelhantes, mas ao mesmo tempo é tomado por louco e é preso. E mesmo restrito a quatro paredes, está livre para acreditar na existência de uma realidade mais ampla que transcende a experiência quotidiana.
Gramatica observa que assim como na física, a religião se baseia no raciocínio de que o universo é constituído por matéria e energia e essas categorias estão intimamente relacionadas. “Mas a realidade não é constituída somente pelo mundo das moléculas; na religião consideramos também a dimensão espiritual, que confere sentido `s outras duas”, afirma. Para o físico, o milagre é uma intromissão – incomum – do futuro no presente, um intercâmbio tangível, lícito e Inteligível. Ele não vê contradição entre ciência e fé, entre leis da natureza e milagres. O que falta, provavelmente, é entender melhor o universo – dentro e fora de nós.
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