Por Sara Zimmermann, jornalista especializada em divulgação científica.
Da revista Mente & Cérebro n° 230, março/2012, págs. 25/31
Uma espécie de compensação
Isso pode ter consequências
paradoxais: quem acabou de ajudar uma senhora a atravessar a rua tem
mais probabilidade de empurrar outras pessoas para o lado, logo em
seguida. “Após um ato supostamente benévolo deixamos de buscar
‘satisfação altruísta’, como se já tivéssemos adquirido
certo ‘crédito’, o que de alguma forma nos deixa à vontade para
nutrir menos preocupação com o bem estar alheio”, diz Sorya. A
disposição para comportamentos abnegados, que priorizem a
coletividade ou outro indivíduo, só volta a aumentar quando os
louros éticos já foram esquecidos. A pesquisadora denomina esse
fenômeno, que observou em inúmeros estudos, de “licença moral”.
Em 2009, a psicóloga e sua equipe
demonstraram esse efeito em um experimento muito simples. Os
participantes do estudo deviam conversar um pouco sobre a própria
vida utilizando adjetivos fornecidos pelos cientistas. Só que
enquanto parte dos voluntários recebeu propositadamente vocábulos
que aludiam a características positivas, os demais tiveram de usar
adjetivos que evocavam defeitos. Imediatamente depois dessa tarefa,
foi pedido a cada um que doasse qualquer quantia fictícia a uma
causa humanitária. Os pesquisadores constataram que os voluntários
que se descreveram com palavras claramente elogiosas ofereceram muito
menos dinheiro que aqueles que relataram fraquezas.
No mesmo ano, os psicólogos canadenses
Nina Mazar e Che-Bo Zhong aplicaram o modelo do balanço moral ao dia
a dia. Eles partiram da ideia de que a compra de produtos ecológicos
(desde cadernos feitos com papel reciclado até detergentes
biodegradáveis, por exemplo) é geralmente mais bem vista do ponto
de vista ético do que a aquisição de produtos fabricados de forma
convencional . Para descobrir que efeito isso tinha na prática, Nina
e Zhong pediram que metade dos participantes do experimento fizesse
compras on-line em duas lojas virtuais – uma delas só trabalhava
com mercadorias ecológicas, enquanto a outra vendia produtos
convencionais. Enquanto isso, os demais voluntários deviam apenas
observar a lista de bioprodutos. Os que podiam fazer compras tinham
US2 25 em sua carteira virtual.
Em seguida, os compradores participaram
de um jogo, no qual cada um deveria escolher quanto da quantia
recebida inicialmente queria ceder a um parceiro de jogo. As pessoas
que apenas observaram os itens disponíveis na loja ecológica foram
claramente mais generosas que aquelas que adquiriram algo.
Curiosamente, quem havia realmente
comprado os bioprodutos cedeu muito menos de seu dinheiro. Ou seja, a
compra “politicamente correta” havia tornado as pessoas
momentaneamente mais egoístas – o que, de acordo com o modelo da
licença moral, leva a pensar que, naquela situação, a conta moral
do voluntário estava cheia.
O estudo revela um ponto interessante
da natureza humana: muitas vezes, basta um pensamento para despertar
o egoísta que mora dentro de nós. Uma equipe de cientistas
econômicos e sociais americanos demonstrou em 2008, quão
casualmente isso ocorre. Pendurando no laboratório quadros com fotos
de cédulas de valores variados, eles discretamente levaram os
voluntários de seu experimento a pensar em dinheiro. Em seguida foi
encenada uma situação na qual uma pessoa parecia precisar de ajuda,
obviamente sem que os jovens soubessem que se tratava de uma
simulação. O que se viu foi que o desemparo alheio despertou pouca
comoção. No grupo de controle, que não havia visto as notas de
dinheiro, a solidariedade diante da mesma cena foi significativamente
mais intensa.
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