Por Sara Zimmermann, jornalista
especializada em divulgação científica
Da revista Mente & Cérebro n°
230, março/2012, págs. 25/31
Adeus ao Homo oeconomicus
O filósofo britânico Thomas Hobbes (1588-1679) declarou certa vez que o homem é um egoísta ávido de poder. “Homo homini lupus est” (o homem é o lobo do homem), afirmou, baseado no filósofo e dramaturgo romano Plauto (250-184 a.C.) Para Hobbes, na luta pela sobrevivência cada um seria seu próprio mais próximo. Posteriormente, o escocês Adam Smith (1723-1790) delineou uma imagem um pouco mais agradável da natureza humana: argumentou que realmente agimos, pelo menos em princípio, de forma egoísta – o que, aliás, seria muito bom, pois somente se cada um se preocupasse com a própria vantagem a economia poderia florescer. Em sua concepção, o anseio profundamente ancorado de aumentar o próprio ganho garantiria a “prosperidade da nação” e o bem coletivo.
Esse pensamento predominou na teoria econômica durante muito tempo, tendo como ícone o Homo oeconomicus: um ser essencialmente egoísta, racional e voltado para o ganho, proclamado pelo filósofo e economista John Stuart Mill (1806-1873). Segundo sua teoria, pessoas envolvidas com transações financeiras, empresários e homens de negócios costumam se comportar dessa forma egocentrada, visando apenas as próprias necessidades ou as daqueles que estão muito próximos – falam mais alto o “eu” e o “meu” -, porque acreditam que todos os outros agem da mesma forma e esperam por isso.
O especialista em ciências jurídicas e políticas Armin Falk, professor da Universidade de Bonn, questiona isso. Segundo ele, o ser humano se encaixaria muito mais no perfil do Homo reciprocans, que não busca a própria vantagem, mas a equidade. Falt está convencido de que somos, por princípio, seres reativos: ainda temos fortemente internalizado o preceito segundo o qual “o que você faz comigo eu faço com você” – o que supera até mesmo o desejo racional de obter o melhor para si. Quem é bem tratado pelos outros retribui; quem é injustiçado pune – mesmo que tenha que arcar com custos por isso.
Segundo essa teoria, as empresas deveriam apostar mais na confiança do que no controle. Estilos de liderança duros baseiam-se sobretudo no medo de que os funcionários sejam, no fundo, egoístas e na crença de que trabalhariam o mínimo possível pelo salário. No entanto, a relação de confiança com a equipe pode gerar muito mais ganhos, pois um profissional que se sente tratado com justiça, por exemplo, tende a “vestir a camisa” e a se esforçar para que toda a equipe obtenha bons resultados, mesmo que isso signifique fazer hora extra.
Em suas pesquisas, Falk entrevistou mais de 20 mil pessoas e as dividiu em dois grupos, que chamou de recíprocos positivos e negativos. Os primeiros preferem recompensar os bons atos, os outros tendem a punir as ações que consideram ruins, sejam elas endereçadas a si mesmos ou não. Na verdade, prevalece o foco de cada grupo: enquanto os primeiros, em geral, buscam ver o que há de bom à sua volta, os do segundo grupo parecem atraídos para o que está (ou acreditam estar) errado. FAlk pensa que , a longo prazo, aos positivamente recíprocos se dão melhor: não apenas parecem mais satisfeitos com a vida de maneira geral, mas também mantêm relações sociais mais prazerosas e estáveis.
“Mas quando nos comportamos de forma egoísta frequentemente há apelos institucionais em jogo”, ressalta o pesquisador. Sentimos a concorrência na pele, seja na escola, no trabalho ou em outros grupos sociais. Talvez por isso tantas pessoas tenham se acostumado a ser egoístas em situações “externas” e altruístas entre quatro paredes, com pessoas mais próximas. A isso se soma o fato de muitas vezes nos orientarmos pelo exemplo dos outros. Se muitos compram carros de determinado tipo, começamos a pensar se esse produto de fato não seria a melhor alternativa. O problema é nos acostumarmos a nos deixar levar, sem exercer o sagrado privilégio de escolher o que realmente nos faz bem.
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