Por Gláucia Leal, jornalista,
psicóloga e psicanalista, editora de Mente e Cérebro
Fonte: Revista Mente & Cérebro, n°
233, junho/2012
Vergonha, inibição e sintoma (por
Christian Ingo Lenz Dunker)
Desde que o filósofo alemão Immanuel
Kant, no século 18, definiu a autonomia como uso público da razão,
estabelecendo esse critério para distinguir a maioridade moral,
ficou claro que se tornar sujeito envolve a capacidade de
expressar-se. Ocorre que o uso da linguagem é condicionado tanto por
estruturas formais (cognitivas, sintáticas, discursivas) quanto pela
tomada de posição com relação a valores estéticos, culturais e
identificatórios. Assumir a língua (que se impõe a nós) por meio
da fala já é visto como definição da competência humanizante e
desejante conferida pela linguagem.
Hoje, muitas produções neológicas
são admitidas, mas ao mesmo tempo o falar público tornou-se
perigoso, pois denuncia algo especial e involuntariamente revelador
sobre nós pela forma coo falamos. E o inibido verbal sabe disso. Na
Inglaterra, por exemplo, é comum encontrar pessoas que forjam
sotaques, pois sabem que isso pode ser decisivo para fechar negócios
ou ser admitido em um emprego. O sotaque upper class é uma
marca de origem e distinção social, eventualmente mais valiosa que
a indumentária e as posses materiais.
Freud argumentava que sintomas são
“exagerações” de processos úteis e relevantes em outros
contextos. As dificuldades de fala pública não são propriamente um
sintoma, mas se enquadram no que a psicanálise chama de inibição –
s suspensão de um processo ou função. Esta evitação pode
generalizar-se em uma atitude que empobrece as relações, obstruindo
a capacidade de realização e oferecendo em troca apenas algum
controle artificial da realidade. A inibição organiza-se como uma
identificação, ou como um “sintoma envelhecido ou fora de
contexto”. Isso quer dizer que o problema pode não ser notado,
pois a pessoa evita, contorna ou cria barreiras para não se expor a
determinada situação.
Se a culpa é o afeto central que marca
os sintomas, a vergonha é típica da inibição, exigindo uma nítida
separação entre o público e o privado. Em muitos casos, na
dificuldade de colocar-se publicamente está em jogo uma espécie de
defesa e lembrança veemente de nossa origem. Diante da
impossibilidade, imaginária ou real, de fazer-se reconhecer por meio
do lugar de onde veio, o sujeito escolhe retirar-se do jogo. Não é
só um fracasso de desempenho discursivo; há também um sentido
crítico contra a situação social em que a indeterminação da
fronteira entre público e privado se torna cada vez mais nebulosa e
precária.
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