segunda-feira, 30 de julho de 2012

Quietos sim. E daí?_6/8


Por Susan Cain – Escritora e Consultora empresarial formada em direito pelas Universidades de princeton e Harvard. Este artigo foi adaptado do original “O Poder dos Quietos” (Agir, 2012) com a autorização da Editora.

Da revista Mente & Cérebro n° 233, Junho/2012

Marketing Pessoal

Possivelmente cometemos um erro grave ao abraçar o ideal da extroversão tão inconsequentemente. Algumas das maiores descobertas da ciência, os grandes insights, a arte, as invenções – desde a teoria da evolução até os girassóis de Van Gogh e os computadores pessoais – vieram de pessoas quietas que sabiam como se comunicar com seu mundo interior. Sem introvertidos, o mundo não teria, por exemplo, a teoria da gravidade, de Isaac Newton, os Noturnos, de Frédéric Chopin, Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, Peter Pan, de J.M.Barrie, 1984 e a A revolução dos bichos, de George Orwell, o Google, idealizado por Larry Page, ou mesmo o personagem Harry Potter, de J.K.Rowling.

Como escreveu o jornalista científico Winifred Gallaghe, “a glória da disposição que faz com que as pessoas parem para considerar estímulos em vez de render-se a eles é sua longa associação com conquistas intelectuais e artísticas. Nem o E=mc² de Einstein nem Paraíso perdido, de John Milton, foram produzidos por festeiros”.

Assim, nas escolas infantis, cada vez mais as mesas das salas de aula são arrumadas em forma de concha, uma disposição para encorajar o aprendizado em grupo, e pesquisas sugerem que a maioria dos professores pensa que o aluno ideal é extrovertido (mas não a ponto de atrapalhar a aula). Quando adultos, muitos de nós trabalham para empresas que insistem nos grupos, em escritórios sem paredes para valorizar “um bom relacionamento interpessoal”. E, não raro, para avançarmos na carreira, é preciso se autopromover – trata-se do famoso “marketing pessoal,”, mais decisivo para o sucesso do que a própria competência profissional.

Na contramão dessa cultura, os “quietos” sofrem profunda dor psicológica causada pelo preconceito contra eles. Quando crianças, por exemplo, muitos podem ter ouvido seus pais s e desculparem pela timidez do filho. É possível também que tenham sido estimulados a “sair da concha” - expressão, aliás, que não valoriza o fato de que alguns animais naturalmente carregam seu abrigo aonde que se vão, assim como alguns humanos. Quando adulto, talvez o introvertido sinta uma ponta de culpa quando recusa um convite para jantar por preferir ficar em casa para lendo um bom livro. Ou talvez goste de comer sozinho em restaurantes – mas poderia passar bem melhor sem os olhares de pena dos outros clientes, comovidos com sua “solidão”.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Quietos sim. E daí?_5/8


Por Susan Cain – Escritora e Consultora empresarial formada em direito pelas Universidades de princeton e Harvard. Este artigo foi adaptado do original “O Poder dos Quietos” (Agir, 2012) com a autorização da Editora.

Da revista Mente & Cérebro n° 233, Junho/2012


Gostamos de acreditar que prezamos a individualidade, mas muitas vezes admiramos um determinado tipo de indivíduo – o que fica confortável sendo o centro das atenções. É claro que toleramos solitários com talento – desde que fiquem incrivelmente ricos ou que prometam fazê-lo. Afinal, a introversão – com suas companheiras sensibilidade, seriedade e timidez = é hoje, um traço de personalidade considerado de “segunda classe”, quase uma patologia. Já a extroversão parece ser um estilo de personalidade bem mais atraente, muitas vezes transformado em um padrão opressivo que a maioria de nós acha de que deve seguir.

Esse ideal tem sido bem documentado em vários estudos, apesar de essa pesquisa nunca ter sigo agrupada. Pessoas loquazes, por exemplo, são avaliadas como mais esperas, mais bonitas, mais interessantes e mais desejáveis como amigas. A velocidade do discurso conta tanto quanto o volume: a maioria das pessoas tende a considerar mais competentes e simpáticos aqueles que falam rápido. Em pesquisas, aplica-se a mesma dinâmica: os que se mostram eloquentes são considerados mais inteligentes que os reticentes, apesar de não haver nenhuma correlação entre o falatório e boas ideias.

Até a palavra “introvertido” ficou estigmatizada. Um estudo não publicado, realizado pela psicóloga Laurie Helgoe, professora-assistente do departamento clínico da Escola de Medicina da Universidade West Virginia, mostrou que os retraídos (e muitas vezes tímidos) descrevem sua própria aparência física com linguagem vívida. Usam expressões como “olhos verde-azulados”, “exóticos”, “maçãs do rosto salientes”, mas quando solicitado que descrevam sua forma de ser, em geral apresentam uma imagem insossa e até desagradável.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Quietos sim. E daí?_4/8


Por Susan Cain – Escritora e Consultora empresarial formada em direito pelas Universidades de princeton e Harvard. Este artigo foi adaptado do original “O Poder dos Quietos” (Agir, 2012) com a autorização da Editora.

Da revista Mente & Cérebro n° 233, Junho/2012

No entanto, hoje abrimos espaço para um número notavelmente limitado de estilos de personalidade. Dizem que para sermos bem-sucedidos temos de ser ousados, para nos mantermos felizes é preciso ser sociáveis. Costumamos nos ver como uma nação de extrovertidos – o que significa que perdemos de vista quem realmente somos. 

Dependendo de que estudo for considerado, de um terço a metade dos americanos, por exemplo, é introvertido – em outras palavras, uma em cada duas ou três pessoas que você conhece. (Considerando que os Estados Unidos estão entre as nações mais extrovertidas, o número deve ser pelo menos tão alto quanto em outras partes do mundo). Se você não for um introvertido, certamente está criando, gerenciando, namorando ou casado com um.

Se essas estatísticas o surpreendem, provavelmente é porque muitas pessoas fingem ser extrovertidas. Introvertidos disfarçados passam despercebidos em parquinhos, nas salas de aula e nos corredores de empresas. Alguns enganam até a si mesmos, até que algum fato da vida – uma demissão, a saída dos filhos de casa, uma herança que permite que passem o tempo como quiserem – os leva a avaliar a sua própria natureza. Você só precisa abordar o tema deste livro com seus amigos e conhecidos para descobrir que mesmo as pessoas mais improváveis se consideram introvertidas.

Faz sentido que tantos introvertidos se escondam até de si mesmos. Vivemos em um sistema de valores que podemos chamar de “ideal de extroversão” e representa a crença onipresente de que o ser humano em sua melhor forma é gregário, “alfa” e se sente confortável sob a luz dos holofotes. O típico extrovertido prefere a ação à contemplação, os riscos à cautela, a certeza à dúvida. Ele escolhe as decisões rápidas, mesmo expondo-se mais à possibilidade de estar errado. Trabalha bem em equipes e socializa em grupos.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Quietos sim. E daí?_3/8


Por Susan Cain – Escritora e Consultora empresarial formada em direito pelas Universidades de princeton e Harvard. Este artigo foi adaptado do original “O Poder dos Quietos” (Agir, 2012) com a autorização da Editora.

Da revista Mente & Cérebro n° 233, Junho/2012


A mulher que ousou dizer não

Montgromery, Alabama, Estados Unidos. Primeiro de dezembro de 1955. Começo da noite. Um ônibus para no ponto e uma mulher de uns 40 anos, cuidadosamente vestida, sobe nele. Ela anda de coluna ereta, apesar de ter passado o dia trabalhando no porão sombrio da alfaiataria da loja de departamentos da cidade. Seus pés estão inchados e os ombros doem. Ela se senta na primeira fileira de bancos reservado aos negros e assiste quieta ao ônibus encher-se de passageiros, até que o motorista ordena que ela ceda o lugar a um homem branco.

A mulher pronuncia uma única palavra que deslancha um dos mais importantes protestos pelos direitos civis do século 20, uma palavra que ajuda os Estados Unidos a se tornar um país melhor. A palavra é “não”.

O motorista ameaça mandar prendê-la. “Você pode fazer isso”, disse Rosa Parks. Um policial que acabara de chegar pergunta a ela por que não se levanta. “Por que vocês nos humilham?”, responde, simplesmente. “Não sei, mas a lei é a lei e você está presa.”

Na tarde de seu julgamento e condenação por atentado à ordem pública, a Associação para o Desenvolvimento de Montgromery promoveu um protesto a favor de Rosa na Igreja Batista de Holt Street, na parte mais pobre da cidade. Cinco mil pessoas se reuniram para apoiar o solitário ato de coragem daquela mulher. Elas se espremeram dentro da igreja até que os bancos não fossem mais suficientes. O resto esperou pacientemente do lado de fora, ouvindo através de alto-falantes. O reverendo Martin Luther KING Jr. Dirigiu-se à multidão: “Chega uma hora em que as pessoas ficam cansadas de serem empurradas para fora do brilho do sol de julho e de serem abandonadas em meio ao penetrante frio de uma montanha em novembro”.

Ele elogia a coragem de Rosa e a abraça. A mulher fica de pé em silêncio; apenas sua presença é o bastante para animar a multidão. A associação lança na cidade um boicote aos ônibus que dura 381 dias. As pessoas enfrentam quilômetros para chegar ao trabalho. 

Elas pegam carona com estranhos. Elas mudam o curso da história dos Estados Unidos. Muitos poderiam imaginar Rosa Parks como uma mulher imponente, com temperamento ousado, alguém que pudesse se impor ante um ônibus cheio de passageiros mal-encarados.

Mas quando ela morreu em 2005, aos 92 anos, a enxurrada de obituários a apresentou como uma senhora de baixa estatura, “doce e de fala mansa”. Os textos diziam que ela era “tímida e reservada”, mas tinha a “coragem de uma leoa”. Estavam repletos de frases como “humildade radical” e “bravura quieta”. O que significa ser quieto e ter bravura? 

Como é possível ser tímido e corajoso? A própria Rosa parecia ciente desse paradoxo, chamando sua autobiografia de Quiet strength (Força silenciosa) – um título que nos desafia a questionar ideias preestabelecidas. Afinal, por que o quieto não deveria ser forte?

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Quietos sim. E daí?_2/8


Por Susan Cain – Escritora e Consultora empresarial formada em direito pelas Universidades de princeton e Harvard. Este artigo foi adaptado do original “O Poder dos Quietos” (Agir, 2012) com a autorização da Editora.

Da revista Mente & Cérebro n° 233, Junho/2012

Apesar de descobertas animadoras, esses pesquisadores, auxiliados pela tecnologia mais avançada, fazem parte de uma longa tradição. Poetas e filósofos têm pensado sobre retraídos e expansivos há séculos. Os dois tipos de personalidade aparecem na Bíblia e nos escritos de doutores gregos e romanos. Alguns psicólogos evolucionistas dizem que a história desses comportamentos vai muito além: também o reino animal apresenta “introvertidos”e “extrovertidos”: em linhas gerais, peixes estariam no primeiro grupo e macacos, no segundo. Sem os dois estilos de personalidade – ou sem outros pares complementares como masculinidade e feminilidade, Ocidente e Oriente, por exemplo -, a humanidade seria irreconhecível, e imensamente diminuída.

Veja a parceria de Rosa Parks e Martins Luther King. (Ver próxima postagem no dia 23 /07/2012). Um formidável orador recusando-se a ceder seu lugar em um ônibus não causaria o mesmo efeito de uma mulher modesta que claramente preferiria se manter em silencio. Mas Rosa não teria o necessário para eletrizar uma multidão se tivesse tentado se levantar e anunciar que tinha um sonho. Mas com a ajuda de Luther King, ela não precisou fazê-lo.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Quietos sim. E daí?_1/8


Por Susan Cain – Escritora e Consultora empresarial formada em direito pelas Universidades de princeton e Harvard. Este artigo foi adaptado do original “O Poder dos Quietos” (Agir, 2012) com a autorização da Editora.

Da revista Mente & Cérebro n° 233, Junho/2012

A introversão – assim como a sensibilidade, a seriedade e a timidez – é um traço de personalidade considerado indesejável; já a extroversão parece enquadrar-se em um estilo, muitas vezes transformado em um padrão opressivo que a maioria das pessoas acredita que deve seguir

Nossa vida é moldada tão profundamente pela personalidade quanto pelo gênero ou código genético. E o aspecto mais importante da personalidade – “o norte e o sul do temperamento”, como dizem alguns cientistas – é onde cada um se localiza no espectro introversão-extroversão. Nosso lugar nesse contínuo influencia como escolhemos amigos e colegas, como levamos uma conversa, resolvemos diferenças e demonstramos amor. Afeta a carreira que escolhemos – e se seremos ou não bem-sucedidos nela. Influi até mesmo na tendência a nos exercitar, a cometer adultério, a funcionar bem sem dormir, a aprender com nossos erros, a fazer grandes apostas no mercado de ações, a adiar gratificações, a ser um bom líder. Ou seja: isso se reflete nos caminhos do nosso cérebro, nos neurotransmissores e nos cantos mais remotos do nosso sistema nervoso. Não por acaso, atualmente, introversão e extroversão são dois dos aspectos mais pesquisados na psicologia da personalidade, despertando a curiosidade de centenas de cientistas.  

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Elogio à Timidez_7/7


Por Gláucia Leal, jornalista, psicóloga e psicanalista, editora de Mente e Cérebro
Fonte: Revista Mente & Cérebro, n° 233, junho/2012


Vários Jeitos de Ser

Introvertidos não são necessariamente tímidos. Timidez é o medo da desaprovação social e da humilhação, enquanto a introversão é a preferência por ambientes que não sejam estimulantes demais. A timidez é inerentemente dolorosa; a introversão, não. Uma das razões pelas quais as pessoas confundem os dois conceitos é que muitas vezes eles se sobrepõem (apesar de psicólogos discutirem até que ponto). Algumas abordagens mapeiam essas duas tendências, definindo quatro quadrantes de tipos de personalidade: extrovertidos calmos, extrovertidos ansiosos (ou impulsivos), introvertidos calmos e introvertidos ansiosos. O que se vê na prática é que muitos tímidos se voltam para dentro, em parte como um refúgio da socialização que tanto os angustia. E muitos introvertidos são tímidos, em parte como resultado do recebimento da mensagem constante de que há algo errado com sua preferência pela reflexão.

Parece inegável que timidez e introversão têm algo profundo em comum. O estado mental de um extrovertido tímido sentado quieto em uma reunião de negócios pode ser muito diferente daquele de um introvertido calmo. A pessoa tímida tem medo de falar, enquanto o introvertido está simplesmente superestimulado, mas para quem os observa os dois parecem iguais. Mas por razões muito distintas tímidos e introvertidos podem escolher passar seus dias nos bastidores, inventando coisas, escrevendo, pesquisando, talvez até segurando a mão de doentes graves – ou assumindo posições de liderança com uma “competência quieta”.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Elogio à Timidez_6/7


Por Gláucia Leal, jornalista, psicóloga e psicanalista, editora de Mente e Cérebro
Fonte: Revista Mente & Cérebro, n° 233, junho/2012

Vergonha, inibição e sintoma (por Christian Ingo Lenz Dunker)

Desde que o filósofo alemão Immanuel Kant, no século 18, definiu a autonomia como uso público da razão, estabelecendo esse critério para distinguir a maioridade moral, ficou claro que se tornar sujeito envolve a capacidade de expressar-se. Ocorre que o uso da linguagem é condicionado tanto por estruturas formais (cognitivas, sintáticas, discursivas) quanto pela tomada de posição com relação a valores estéticos, culturais e identificatórios. Assumir a língua (que se impõe a nós) por meio da fala já é visto como definição da competência humanizante e desejante conferida pela linguagem.
Hoje, muitas produções neológicas são admitidas, mas ao mesmo tempo o falar público tornou-se perigoso, pois denuncia algo especial e involuntariamente revelador sobre nós pela forma coo falamos. E o inibido verbal sabe disso. Na Inglaterra, por exemplo, é comum encontrar pessoas que forjam sotaques, pois sabem que isso pode ser decisivo para fechar negócios ou ser admitido em um emprego. O sotaque upper class é uma marca de origem e distinção social, eventualmente mais valiosa que a indumentária e as posses materiais.

Freud argumentava que sintomas são “exagerações” de processos úteis e relevantes em outros contextos. As dificuldades de fala pública não são propriamente um sintoma, mas se enquadram no que a psicanálise chama de inibição – s suspensão de um processo ou função. Esta evitação pode generalizar-se em uma atitude que empobrece as relações, obstruindo a capacidade de realização e oferecendo em troca apenas algum controle artificial da realidade. A inibição organiza-se como uma identificação, ou como um “sintoma envelhecido ou fora de contexto”. Isso quer dizer que o problema pode não ser notado, pois a pessoa evita, contorna ou cria barreiras para não se expor a determinada situação.

Se a culpa é o afeto central que marca os sintomas, a vergonha é típica da inibição, exigindo uma nítida separação entre o público e o privado. Em muitos casos, na dificuldade de colocar-se publicamente está em jogo uma espécie de defesa e lembrança veemente de nossa origem. Diante da impossibilidade, imaginária ou real, de fazer-se reconhecer por meio do lugar de onde veio, o sujeito escolhe retirar-se do jogo. Não é só um fracasso de desempenho discursivo; há também um sentido crítico contra a situação social em que a indeterminação da fronteira entre público e privado se torna cada vez mais nebulosa e precária.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Elogio à Timidez_5/7

Por Gláucia Leal, jornalista, psicóloga e psicanalista, editora de Mente e Cérebro
Fonte: Revista Mente & Cérebro, n° 233, junho/2012


"Em nossa cultura, os caracóis não são considerados animais valentes, 
e ficamos constantemente exortando as pessoas a 'sair de sua concha', 
mas levar sua casa com você aonde quer que vá
 revela muitas coisas boas", diz Susan Cain

Até os bichos

“A coisa mais surpreendente e fascinante que aprendi ao desenvolver o projeto desse livro foi que há ‘introvertidos’ e ‘extrovertidos’ em todo o reino animal – chegando até ao nível das moscas-das-frutas”, diz Susan. O biólogo evolucionista David Sloan Wilson especula que os dois “tipos” evoluíram usando estratégias de autopreservação muito diferentes. Animais introvertidos se mantém à margem e sobrevivem quando os predadores surgem. Os “extrovertidos” vagueiam e exploram, por isso se saem melhor quando o alimento é escasso. Fazendo uma analogia, é possível dizer que o mesmo acontece com os seres humanos.

Talvez um dos maiores equívocos a respeito dos introvertidos seja imaginar que seu jeito tímido signifique rispidez ou falta de afeto pelas pessoas. “Nós não somos antissociais, apenas somos socialmente diferentes”, diz Susan, que considera fazer parte desse time. “Tenho diversas outras características de introvertida, como pensar antes de falar, não gosta de conflitos e facilidade de concentração , mas não consigo viver sem minha família e amigos íntimos, porém, em muitos momentos aprecio estar só”.

A introversão também abrange qualidades irritantes, é claro. Por exemplo, a maioria das pessoas que tem esse traço marcante – embora não todas – dificilmente farão um discurso ou uma apresentação para uma plateia desconhecida sem ficar aterrorizada, mesmo que já tenham passado por experiência similar várias vezes. Por outro lado, a introversão pode ser uma grande força, que garante uma vida interior rica, a ponto de essas pessoas raramente ficarem aborrecidas por estarem sozinhas. Surge aí um paradoxo; por conta disso, não costumam se sentir solitárias, como se soubessem que, não importa o caos que tom conta do ambiente, sempre é possível se voltar para a interior de si mesmas.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Elogio à Timidez_4/7


Por Gláucia Leal, jornalista, psicóloga e psicanalista, editora de Mente e Cérebro
Fonte: Revista Mente & Cérebro, n° 233, junho/2012

Solidão produtiva


Um grande equívoco em relação aos introvertidos é a noção de que não podem ser bons líderes. Um estudo recente desenvolvido pelo pesquisador Adam Grant, professor de administração Wharton School of Business, da Universidade da Pensilvânia, revela que, às vezes, líderes introvertidos produzem melhor resultados que os extrovertidos por serem mais propensos a deixar funcionários talentosos discorrer sobre suas ideias, em vez de tentar colocar o seu próprio carimbo sobre elas. Além disso tendem a ser motivados não pelo ego ou por um desejo de ser o centro das atenções, mas sim pela dedicação ao seu objetivo maior. É o caso de Mahatma Gandhi, Douglas Conant, da Campbell Soup, e Larry Page, do Google.

Outra abordagem interessante de pesquisa estabelece relação entre introversão e criatividade. Uma pesquisa realizada pelos psicólogos Mihaly Csikszntmihalyi e Gregory Feist sugere que as pessoas mais criativas em muitos campos costumam se introvertidas. Csikszentmihalyi, fundador da Escola de Ciências do Comportamento Organizacional (SBOS, na sigla em inglês), da Universidade Claremont, e Feist, doutor em filosofia e psicologia, presidente-fundador da Sociedade Internacional de Psicologia da Ciência e Tecnologia e editor-chefe do Journal of Psychology of Science and Technology, levantam um a hipótese para isso: é possível que para pessoas que se sentem confortáveis sozinhas a solidão surja como ingrediente crucial -, e em geral subestimado – para a criatividade e a produção artística.  

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Elogio à Timidez_3/7


Por Gláucia Leal, jornalista, psicóloga e psicanalista, editora de Mente e Cérebro
Fonte: Revista Mente & Cérebro, n° 233, junho/2012


ENCABULADA, MAS COM BOM HUMOR: no filme francês
Românticos Anônimos (2010), a atriz Isabelle Carré interpreta Angélique, uma brilhante confeiteira que busca desesperadamente lidar com suas emoções descontroladas para se mostrar mais sociável e viver uma história de amor

Talvez a maioria das pessoas até goste de pensar que valoriza a individualidade e as várias formas de ser, mas costumamos admirar principalmente aqueles que ficam à vontade quando recebem atenção nos grupos. Susan lembra que as escolas, os locais de trabalho e mesmo a maioria das instituições religiosas geralmente são projetados para pessoas que gostam de se expressar publicamente. E faz uma comparação: os introvertidos estão para os extrovertidos como as mulheres estavam para os homens na década de 50: são cidadãos com quantidade enorme de talento inexplorado. A autora também chama a atenção dos leitores para a existência do preconceito. “Durante as pesquisas para o livro um dos momentos mais comoventes que vivi foi quando conheci um pastor evangélico qae confidenciou que gostava de ficar sozinho, mas tinha vergonha disso e receava que ‘Deus não estivesse satisfeito’ com ele em razão dessa preferência, conta.

De fato, muitos introvertidos sentem que há algo errado com eles e tentam se mostrar mais sociáveis. No entanto, sempre que alguém tenta passar por algo que não é, inevitavelmente “perde uma parte de si mesmo”, ao longo do caminho. “Nesses casos, perde-se especialmente o senso de como gastar seu tempo: os introvertidos sempre vão a festas e eventos quando, na verdade, prefeririam ficar em casa, lendo, estudando, inventando, meditando, desenvolvendo projetos, pensando, cozinhando ou simplesmente se ocupando com atividades tranquilas”, observa Susan.

Ela acredita que de um terço à metade das pessoas em geral é introvertida – ou seja, se essa estimativa estiver correta, significa que a introversão é traço de um em cada dois ou três conhecidos seus. Mas, segundo a escritora, nem todos se mostram assim porque aprendem desde cedo a se esforçar para agir como extrovertidos.

“Nunca é uma boa ideia organizar a sociedade de modo a desvalorizar tantas pessoas em razão de uma característica, um modo de ser”, diz Susan Cain. Ela também salienta o fato de haver uma série de noções equivocadas que afetam igualmente introvertidos e extrovertidos. E cita um exemplo: atualmente a maioria das escolas e empresas organiza trabalhadores e estudantes em grupos, acreditando que a criatividade e a produtividade surgem de um local sociável. Em sua opinião, isso é um absurdo. “Nossos maiores artistas e pensadores, de Charles Darwin a Pablo Picasso, na maior parte do tempo trabalharam sozinhos”. Para Susan, as equipes muitas vezes representam verdadeiras armadilhas, já que nesse sistema é difícil saber o que cada um realmente pensa. “Somos animais tão sociais que instintivamente imitamos as opiniões dos outros, muitas vezes sem perceber que isso acontece quando discordamos conscientemente, pagamos um preço psíquico,”, afirma.

O neurocientista Gregory Berns, da Universidade de Emory, por exemplo, descobriu que pessoas que discordam da “sabedoria” do grupo mostram ativação aumentada na amígdala, um órgão do cérebro associado à dor da rejeição social . Berns denominou esse processo “dor de independência”. Susan cita as sessões de brainstorming, muitos populares em empresas atualmente. As reuniões para promover a “tempestade de ideias” foram introduzidas nas corporações americanas nos anos 50, por um executivo carismático do meio publicitário chamado Alex Osbom. Hoje, pesquisadores como o psicólogo organizacional Adrian Fumham contestam a eficácia dessa prática para a produção de ideias criativas e, embora não considerem de forma alguma abolir o trabalho em grupo argumentam que é importante usá-lo de forma mais criteriosa.  

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Elogio à Timidez_2/7

Por Gláucia Leal, jornalista, psicóloga e psicanalista, editora de Mente e Cérebro
Fonte: Revista Mente & Cérebro, n° 233, junho/2012


  
O Psiquiatra Suíço Carl Gustav Jung foi o primeiro 
a usar o termo "introvertido" em sua obra Tipos psicológicos, 
de 1921, para descrever este traço de caráter

Deus e Preconceito

Justamente por desenvolver uma relação com o ambiente em que o excesso é interpretado como desprazer, é muito mais provável que um introvertido desfrute uma taça de vinho tranquilamente com um bom amigo, mas encontre dificuldade de permanecer em um grupo de pessoas estranhas ou que falem alto. Susam faz uma distinção importante entre timidez e introversão: a primeira refere-se ao medo do julgamento negativo, enquanto a outra é meramente a preferência por menos estímulo.

Vivemos em um tempo no qual o indivíduo ideal é arrojado, sociável e fica – ou pelo menos deveria ficar – confortável como centro das atenções. Na “era do espetáculo”, nos consultórios de psicólogos e psicanalistas aparecem inúmeras queixas de pacientes que anseiam por ser mais falantes se sentir menos constrangidos ao falar em público ou mesmo se destacar.

No mercado de trabalho, por exemplo, são frequentes as solicitações para que sejam ministradas aulas, apresentadas intervenções comentários e seminários. “É compreensível que a queixa clínica de que no momento de falar em público sobrevenham dificuldades corporais, impedimentos e embaraços tenha se tornado mais rotineira”, ressalta o psicanalista Christian Ingo Lenz Dunker, professor livre-docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e articulista da Mente e Cérebro. “Uma cultura que se organiza sem estrutura de espetáculo cria dificuldades para aqueles a quem a privacidade é essencial. Por exemplo, no quadro clínico chamado mutismo seletivo, crianças e adolescentes – e mais raramente adultos - criam situações nas quais o falar se torna gradualmente prescindível, reduzindo a poucas pessoas próximas”. E a sofisticação tecnológica muitas vezes ajuda a sustentar tais quadros.  

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Elogio à Timidez_1/7

Por Gláucia Leal, jornalista, psicóloga e psicanalista, editora de Mente e Cérebro
Fonte: Revista Mente & Cérebro, n° 233, junho/2012


Em um mundo que privilegia a extroversão e onde o importante é aparecer e ter iniciativa, o modelo introvertido não costuma ser valorizado. Apesar disso, os quietos levam uma vantagem importante: sentem-se em boa companhia mesmo – ou principalmente – quando estão sozinhos.




Introvertidos não são tímidos, embora os traços de personalidade de pessoas com essas características frequentemente se sobreponham. Os primeiros são, basicamente atormentados pelo medo da desaprovação social e da humilhação, enquanto os segundos são marcados pelo desconforto em ambientes excessivamente estimulantes.”

Nem todo mundo gosta de trabalhar em grupo. Alguns realmente produzem mais sozinhos - e de preferência em silêncio. Esse comportamento, porém, nem sempre é bem compreendido. Afinal, vivemos em uma sociedade que valoriza a extroversão – os falantes, os que adoram festa e multidão. E não os tipos tranquilos que mudam o mundo enquanto muita gente fala sem parar. Não raro, é desprezado o fato de que a solidão é necessária e a incapacidade de estar só causa prejuízos psíquicos. Autora do recém-lançado O poder dos quietos (Agir, 2012), a consultora de negócios americana Susan Cain aborda em seu livro a falácia do “trabalho em grupo” e argumenta que, em muitos casos, incentivar (ou até forçar) as pessoas a trabalhar juntas pode reduzir a capacidade de criação e produtividade.

“Os introvertidos preferem ambientes tranquilos e com o mínimo de estímulo enquanto aos extrovertidos precisam de níveis mais elevados de excitação para se sentir melhor. Os introvertidos até salivam mais que os extrovertidos se colocarem uma gota de suco de limão sobe a língua deles!”, afirma a escritora, formada em direito, pelas universidades de Princeton e Harvard.